terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Livro bom é livro livre (*)



Outro dia, conversando com uma colega de trabalho, falávamos sobre desapego de um modo geral (este exercício diário que tenho tentado realizar).   Até que chegamos ao tema “livros”.  Sempre senti a necessidade de fazê-los circular.  Ter uma grande biblioteca nunca foi o meu objetivo.  Essa colega compartilhou comigo o mesmo pensamento.   Contou-me que seu pai havia escrito uma crônica que falava exatamente sobre isso e o seu título  “Livro bom é livro livre”  traduziu todo o sentimento que sempre tive em relação aos livros e, que agora, volta a bater forte dentro de mim.

Não sei o porquê, de uns tempos para cá resolvi guardá-los.  Já possuo três andares de estante, em fila dupla, de livros.  Isso começou a me incomodar... 
Após esse papo, resolvi que está na hora de torná-los livre para que outras pessoas sintam a mesma emoção que senti ao lê-los.




Bem,  vamos à crônica do escritor  Carlos Alberto Castelo Branco.

“Se encontrar por aí um livro que você escreveu com dedicação, talento e esforço e autografou para mim como prova de amizade e admiração, não fique : chateado, triste, abatido, decepcionado, frustrado , inconformado ou puto da vida. Tenho horror a livro preso em estantes e habitualmente pego todos os que li e gostei e transfiro para uma biblioteca pública, um asilo, uma escola. Acho que é uma forma de repartir o prazer que eles me deram e difundir, ainda mais, o nome dos autores. 
Não vendo meus livros, nem meus amigos. Você pode até encontrar algum livro autografado para mim num sebo – e fique sabendo que não tenho nada a ver com isso. A única livraria de quem recebo alguma coisa é a Elizarte, na rua Marechal Floriano, no Rio – e o que eu recebo é um sorriso do Arthur, o chefe da casa, que ama a literatura, como seu pai amou e, talvez, seu avô, também. O Arthur vende livros, mas não vende para qualquer um, sua clientela é de gente culta, inteligente, apaixonada por literatura e arte. Qualquer autor deveria ficar feliz, se visse um livro seu nas prateleiras da Elizarte. 
 A maior parte dos livros que rolam por aí , com dedicatória para mim, são autografados por amigos queridos. Os inimigos não mandam livros e nem eu compro os que eles escrevem. Rolam por aí romances, poemas, tratados que me foram dedicados por gente como Carlos Menezes, Clarice Lispector, Joaquim Branco, Ayrton Seródio, José Louzeiro, Ednalva Tavares, o pedríssimo P.J.Ribeiro, Ronaldo Werneck, Maurício Monteiro, José Júlio Braz, Frederico Gomes, Ivan Junqueira,Eraldo Quintanilha, Duílio Gomes. Claro que há um pouco de maldade nisso, como em tudo o que faço. Fico imaginando um bibliógrafo pontificando numa roda de intelectuais e jactando-se : "Encontrei um volume raríssimo do Marcelo Cabral. É autografado. A dedicatória é para um tal de Carlos Alberto Castelo Branco..." Olha eu aí pegando carona para a eternidade, né? 
Entendo que alguns autores não gostem disso. Certamente, são inseguros, ególatras, extremamente vaidosos. Aliás, se você, nas suas andanças, encontrar algum livro que escrevi e autografei para alguém, peço que me informe. Quero saber quem foi o canalha. Nunca mais lhe mando livros. Nunca mais falo com ele.”



(*)Título da crônica escrita por Carlos Alberto Castelo Branco : 
Nascido em Parnaíba, Piauí (1942), mora no Rio. 
Livros publicados :
"A máquina de pensar bonito contra o medo que o medo faz" . Editora Salamandra, Rio, 1986 ( Prêmio Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação); "O pai que virava bicho". Editora Lê, BH, 1986 ( Prêmio Monteiro Lobato, da Academia Brasileira de Letras); "Essas abomináveis criaturas de Deus" Editora José Olympio, Rio, 1989 ( duas vezes finalista da Bienal Nestlé de Literatura). Tem contos publicados no  Suplemento Literário Minas Gerais, no Jornal do Escritor e no Jornal de Letras. Em 2001 lançou Conexão Sardinha, Editora Nova Fonteira, dentro da coleção Primeira Página, que reúne obras inéditas escritas na melhor tradição literária da novela policial.

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